User Tools

Site Tools


autores:ricoeur:ricoeur-1990-a-consciencia

Ricoeur (1990) – a consciência

Data: 2025-10-30 09:56

Soi-même comme un autre

Vers quelle ontologie?

* A empresa de ter a consciência – no sentido do alemão Gewissen – como o lugar de uma forma original de dialética entre ipseidade e alteridade, e seus desafios

  • O primeiro desafio: a metáfora da voz e do apelo adicionando uma dimensão inédita aos conceitos de base da ética e a concretização deste excedente de sentido em noções suspeitas como a “má” e a “boa” consciência
    • A ocasião de pôr à prova a tese segundo a qual a atestação da ipseidade é inseparável de um exercício de suspeita
  • O segundo desafio: a questão de se a consciência, supondo que se possa libertar do jugo dos preconceitos ligados à “boa” e à “má” consciência, designa um fenômeno distinto da atestação do nosso poder-ser
    • O desafio de precisar os fenômenos tais como a injunção ou a dívida que a metáfora da voz parece designar, frente a esta versão não moral da consciência
  • O terceiro desafio: a questão de se a parte de alteridade que aí se deixa discernir é outra que a alteridade de outrem, se a injunção ou a dívida constituem o último requisito da consciência
    • O que legitima atribuir um lugar, um lugar distinto, ao fenômeno da consciência, no plano dos “grandes gêneros” do Mesmo e do Outro

* A problemática da consciência pela porta da suspeita

  • A afinidade do fenômeno da consciência com a atestação, da qual dissemos que entranha o ser-verdadeiro e o ser-falso
  • A consciência como o lugar por excelência onde as ilusões sobre si mesmo estão intimamente misturadas à veracidade da atestação
  • A suspeita incidindo muito precisamente sobre o pretendido excedente de sentido que a ideia de consciência parece sobrepor ao conceito maior da ética: voto de viver-bem (com as adições que se sabem), obrigação e convicção
  • A re-inscrição dos conceitos da ética na dialética do Mesmo e do Outro pela consciência, sob a guisa de uma modalidade específica de passividade, sem nada adicionar ao teor de sentido dos conceitos diretores
  • A metáfora da voz, ao mesmo tempo interior a mim e superior a mim, como o sintoma ou o indício desta passividade fora de par

* O momento de alteridade que distingue a consciência em Ser e Tempo de Martin Heidegger

  • A descrição perfeita do momento de alteridade que distingue a consciência no capítulo de Ser e Tempo, intitulado precisamente Gewissen
  • A alteridade que, longe de ser estranha à constituição da ipseidade, está estreitamente ligada à sua emergência, na medida em que, sob o impulso da consciência, o si é tornado capaz de se retomar sobre o anonimato do “se”
  • A implicação da consciência na oposição entre o si e o “se” não excluindo um outro tipo de relação entre ser-si e ser-com, na medida em que, por um lado, o “se” é já uma modalidade inautêntica do ser-com e, por outro lado, esta retirada no foro interior oferece a outrem o vis-à-vis que ele tem o direito de esperar, a saber, precisamente o si-mesmo
  • O traço que especifica o fenômeno da consciência, a saber, a espécie de grito (Ruf), de apelo (Anruf), que a metáfora da voz assinala, anunciando-se no arranque do si do “se”
  • O si aparecendo interpelado e, neste sentido, afetado de forma singular neste íntimo colóquio
  • A afeção por uma voz outra apresentando uma dissimetria notável, que se pode dizer vertical, entre a instância que apela e o si apelado, à diferença do diálogo da alma consigo mesma, de que fala Platão
  • A verticalidade do apelo, igual à sua interioridade, que faz o enigma do fenômeno da consciência

* A autenticidade do fenômeno da consciência e a crítica moralizante

  • A autenticidade deste fenômeno só podendo ser penosamente reconquistada, não propriamente às expensas da metaforicidade enquanto tal da expressão “voz da consciência” – a metáfora não sendo para nós exclusiva de uma verdadeira capacidade desvendadora
  • A reconquista da autenticidade a contracorrente das interpretações moralizantes que dissimulam precisamente a força desvendadora
  • A prova de suspeita se revelando benéfica para recobrar a capacidade desvendadora da metáfora da voz
  • A mobilização da força de denúncia que ressoa, antes do trovão nietzschiano, no golpe de advertência hegeliano

* A crítica de Georg Wilhelm Friedrich Hegel à má interpretação da consciência

  • A crítica virulenta à má interpretação da consciência que se pode ler nas páginas que a Fenomenologia do Espírito consagra à “visão moral do mundo”
  • O Gewissen sendo solidário de uma dialética de grau superior onde se confrontam a consciência agente e a consciência julgadora, atestada pela continuação do capítulo VI
  • O “perdão”, oriundo do reconhecimento um pelo outro dos dois antagonistas confessando o limite dos seus pontos de vista e renunciando à sua parcialidade, designando o fenômeno autêntico da consciência
  • A crítica da visão moral do mundo tomando lugar no caminho desta reconhecimento
  • A crítica acerba atacando “postulados” inteiramente construídos para as necessidades da causa, e nos quais é difícil reconhecer os traços do formalismo kantiano
  • O artifício da construção hegeliana desta figura tomando lugar entre os excessos, transgressões, hipérboles de todas as espécies de que se nutre a reflexão moral e talvez a reflexão filosófica em geral
  • O primeiro postulado: a moralidade, ao mesmo tempo que exige que o dever seja feito, atinge de insignificância a natureza inteira, através da condenação do desejo, que é a natureza em nós
  • O segundo postulado: a moralidade adiando ao infinito o momento da satisfação que no entanto o agente procura na efetividade da ação, por falta de saber produzir alguma harmonia entre o dever-ser e o ser
  • O terceiro postulado: este acordo da forma e do conteúdo não sendo dado aqui-embaixo, é reportado em uma outra consciência, a de um santo legislador situado fora do mundo
  • A crítica se atacando ao “deslocamento equívoco” (die Verstellung) a que se entrega a consciência, traçada que ela é de uma posição insustentável à outra, para tentar escapar às contradições que dissimulam estes postulados da visão moral do mundo
  • A crítica dando “desprezo” a uma hipocrisia que os deslocamentos equívocos não conseguem dissimular
  • A crítica só tendo sentido na perspectiva do momento ulterior do espírito, já presente como em negativo no deslocamento equívoco
  • O achegamento da crítica da visão moral do mundo para o ponto onde o Gewissen se iguala à certeza de si mesmo fazendo com que em Hegel ressoe ainda só um golpe de advertência, antes que rebente com Nietzsche o trovão decisivo

* A crítica de Friedrich Wilhelm Nietzsche à má consciência

  • O único ponto a reter da segunda dissertação da Genealogia da moral, intitulada “A Falta [Schuld], a má consciência [schlechtes Gewissen] e o que lhe assemelha”, sendo o paralelismo com a crítica hegeliana do “deslocamento equívoco”
  • A parentela profunda entre as duas críticas provada por Nietzsche mesmo quando caracteriza como interpretação falsificante a “má” consciência e como interpretação autêntica a sua própria visão da “grande inocência”
  • O problema em Nietzsche de saber se o reenvio à Vida “forte” ou “fraca”, assegurado pelo método genealógico, atinge o referente último de um deciframento terminal
  • A dissertação parecendo deixar um lugar a um conceito, de alguma sorte neutro, de consciência, pelo elogio que aí é feito da promessa, antídoto do esquecimento
  • O esquecimento, no entanto, tido por uma faculdade de inibição ativa, “uma faculdade positiva em toda a sua força”
  • O domínio de si – esta “mnemotécnica”! – tendo atrás de si uma longa história de tormentos e de torturas que compartilha com o ascetismo que a terceira dissertação ligará à maleficência do padre
  • A má consciência requerendo um desmantelamento completo, que se inicia pela evocação de sinônimos pesados de sentido em alemão, como Schuld – fracamente traduzido por falta –, Schulden – por dívida –, Vergeltung – por represálias
  • O mundo claro, em um sentido, do credor e do devedor – tenebroso, em um outro sentido, da cólera e da vingança
  • A forma mais arcaica de reaver um crédito sendo violentar o devedor: “A compensação [Ausgleich] representa então um convite e um direito à crueldade” (Genealogia da moral, p. 258)
  • A necessidade de não se deixar impressionar pelo tom autoritário de Nietzsche, proclamando ter descoberto o “foco de origem”, o “começo do mundo dos conceitos morais” (ibid., p. 258)
  • A estranha arqueologia onde a pré-história e o futuro se trocam, dos antigos tempos (Vorzeit) dos quais é dito “que eles existem aliás de todo tempo, ou que eles são sempre possíveis de novo” (ibid., p. 263)
  • A ponta anticartesiana e antikantiana de toda esta tirada que mistura a complexidade tenebrosa do castigo à simplicidade aparente da relação de credor a devedor, sendo o importante o adestramento do animal responsável não ser mais levado ao crédito da “vontade livre” e da “espontaneidade absoluta do homem no bem e no mal” (ibid., p. 262) – esta “invenção tão temerária e tão nefasta dos filósofos”
  • A fluidez da origem, oposta à pretensa fixidez do fim, sendo a ocasião de uma “nova interpretação” (ein Neu-interpretieren), de um “acomodamento” (“ein Zurechtmachen) (ibid., 269), que atesta, em retorno, a que ponto as significações tardias atribuídas ao castigo eram sobre-adicionadas
  • A força de interpelação da suspeita, implícita em Hegel, explícita em Nietzsche, de que consciência igual “má consciência”
  • A pior solução para quebrar esta equação sendo apelar da má à boa consciência, o que permaneceria cativo da mesma problemática viciosa da justificação

* A “desmoralização” da consciência em Martin Heidegger

  • O arrancar da consciência à falsa alternativa da “boa” e da “má” consciência encontrando em Heidegger sua formulação mais radical
  • A formulação que se resume nesta única frase: “A atestação de um poder-ser autêntico, é a consciência que a dá” ([234] trad. Martineau, p. 175 ; cf. trad. Vezin, p. 287)
  • O poder-ser que a consciência atesta não sendo inicialmente marcado por nenhuma competência a distinguir o bem do mal
  • A consciência sendo à sua maneira “para além bem e mal”, um dos efeitos da luta levada contra o pensar-valor dos neokantianos e contra o de Max Scheler em sua Ética material [não formal] dos valores
  • O apelo, a advocação (segundo a tradução proposta por E. Martineau) do Anruf, não tendo alguma força originariamente ética, ao sublinhar Sein em Dasein
  • A consciência não dizendo nada: nem barulho, nem mensagem, mas um apelo silencioso
  • O apelante não sendo outro que o Dasein ele mesmo: “No consciência, o Dasein se apela a si mesmo” ([275] trad. Martineau, p. 199 ; cf. trad. Vezin, p. 332)
  • A dimensão de superioridade reconhecida na imanência integral do Dasein a ele mesmo: “o apelo não vem incontestavelmente de um outro que está no mundo comigo. O apelo vem de mim e, no entanto, ele me ultrapassa [aus mir und doch über mich]” (ibid.)
  • A explicitação do traço de estranh(eir)eza (adotando a grafia de E. Martineau) pelo qual a consciência se inscreve na dialética do Mesmo e do Outro, constituindo a novidade
  • A sutil aproximação feita entre a estranh(eir)eza da voz e a condição decaída (ou escoada?) do ser-lançado
  • A confissão da passividade, da não-maestria, da afeção, ligadas ao ser-convocado, orientando-se para uma meditação sobre a neantidade, isto é, sobre o não-escolha radical que afeta o ser no mundo, considerado sob o ângulo da sua inteira facticidade
  • A introdução tardia da noção de Schuld – “dívida”, segundo a tradução de Martineau – não restituindo a esta estranheza alguma conotação ética
  • A insistência na ontologia da dívida, dissociando-se do que o senso comum prende à ideia de dívida, a saber, que ela seja para com alguém, que se seja responsável enquanto devedor, e que o ser um com o outro seja público
  • A exigência de Heidegger de inquirir fundamentalmente sobre “o ser em dívida do Dasein” ([283] ; trad. Martineau, p. 204 ; cf. trad. Vezin, p. 340), portanto primeiro sobre um modo de ser
  • O ser em dívida não resultando do endividamento (Verschuldung), mas o inverso, pondo fora de jogo os fenômenos vulgares de dívida, de endividamento
  • A falha desvendada não sendo o mal, mas um traço ontológico prévio a toda ética: “O ser-fundamento de uma nulidade” (Grundsein einer Nichtigkeit) ([283] trad. Martineau, p. 204 ; cf. trad. Vezin, p. 341)
  • O primado da ética sendo claramente despedido: “Se o ser-em-dívida originário não pode ser determinado pela moralidade, é que esta o pressupõe já para ela mesma” ([286] trad. Martineau, p. 206 ; cf. trad. Vezin, p. 344)
  • A atestação engendrando uma certa criteriologia, ao menos a título de crítica do senso comum, em debate com a “explicitação vulgar da consciência”
  • A crítica das noções de “boa” e de “má” consciência em termos vizinhos aos empregados anteriormente, atingindo a noção de “má” consciência de “vulgaridade”
  • A noção de “má” consciência chegando tarde demais, depois do fato (sendo reativa, diria Nietzsche), faltando-lhe o caráter prospectivo inerente ao cuidado
  • A “boa” consciência sendo afastada como farisaica, pois quem pode dizer “eu sou bom”?
  • O ponto de vista deontológico de Kant, a teoria scheleriana dos valores e a função crítica da consciência sendo rejeitados em bloco, tudo isto permanecendo na dimensão da preocupação
  • O sentido da atestação sendo selado: “Convocação pro-vocante ao ser-em-dívida” ([295] trad. Martineau, p. 211 ; cf. trad. Vezin, p. 353-354)
  • A ligação entre atestação e resolução parecendo trazer a noção de consciência ao campo da ética, pela expressão “querer ter consciência” ([295] trad. Martineau, p. 211 ; cf. trad. Vezin, p. 354)
  • O se-projetar reticente e pronto à angústia para o ser-em-dívida o mais próprio sendo chamado a resolução ([297] trad. Martineau, p. 212 ; cf. trad. Vezin, p. 355)
  • A consciência-atestação se inscrevendo na problemática da verdade, enquanto abertura e desvendamento
  • A verdade mais originária, porque autêntica, do Dasein, sendo conquistada com a resolução ([297] trad. Martineau, p. 212 ; cf. trad. Vezin, p. 355)
  • A resolução permanecendo indeterminada, cortada do pedido de outrem e de toda determinação propriamente moral
  • A ontologia fundamental se guardando de toda proposição quanto à orientação na ação: “Na resolução, vai para o Dasein o seu poder-ser o mais próprio, o qual, enquanto lançado, só pode se projetar para possibilidades fácticas determinadas” ([299] trad. Martineau, p. 213-214 ; cf. trad. Vezin, p. 358)
  • A impressão de o filósofo remeter o seu leitor a um situacionismo moral destinado a preencher o silêncio de um apelo indeterminado

* A concepção da consciência como injunção-atestação

  • A oposição à desmoralização da consciência por uma concepção que associa estreitamente o fenômeno da injunção àquele da atestação
  • O ser-injungido constituindo o momento de alteridade próprio ao fenômeno da consciência, em conformidade com a metáfora da voz
  • Escutar a voz da consciência significando ser-injungido pelo Outro, e fazendo direito à noção de dívida
  • O estágio da moralidade dissociado da tríade ética-moralidade-convicção e hipostasiado em favor desta dissociação, como causa do fenômeno da consciência se ter achado correlativamente empobrecido
  • A metáfora desvendadora da voz ofuscada pela metáfora sufocante do tribunal, em virtude desta dissociação
  • A tríade inteira posta em lugar nos estudos precedentes se dando a ser reinterpretada em termos de alteridade
  • A primeira injunção: ser chamado a viver-bem com e para outrem em instituições justas
  • A existência de uma forma de comando que não é ainda uma lei, segundo uma sugestão de F. Rosenzweig em A Estrela da Redenção (Segundo livro)
  • O comando se fazendo ouvir na tonalidade do Cântico dos Cânticos, na súplica que o amante dirige à amada: “Tu, ama-me!”
  • O comando se fazendo lei e a lei interdição: “Tu não matarás”, porque a violência mancha todas as relações de interação, a favor do poder-sobre exercido por um agente sobre o paciente da sua ação
  • O curto-circuito entre consciência e obrigação, para não dizer entre consciência e interdição, de onde resulta a redução da voz da consciência ao veredicto de um tribunal
  • A necessidade de não cessar de remontar a pendente que traz desta injunção-interdição à injunção do bem-viver
  • A injunção se juntando então ao fenômeno da convicção que vimos Hegel acantonar na esfera da moralidade subjetiva, ao se prosseguir o percurso da ética até a escolha moral em situação
  • O momento de convicção não se substituindo à prova da regra, mas sobrevindo ao termo de um conflito de deveres, segundo a argumentação sobre a ética da decisão em situação
  • A consciência, ao se igualar assim à convicção, dizendo o lado de passividade: “Aqui eu me detenho! Eu não posso de outro modo!”
  • O momento de convicção marcando um recurso aos recursos ainda inexplorados da ética, aquém da moral, mas através dela
  • A invocação dos traços mais singularizantes da phronesis aristotélica para sublinhar o elo que prende a convicção ao fundo ético, através da camada dos imperativos
  • A phronesis, que inclui a regra direita na escolha do phronimos, sendo Gewissen, segundo a exclamação de Heidegger
  • O Dasein não sendo remetido apenas ao seu poder-ser o mais próprio, como no Heidegger de Ser e Tempo, se for guardada a definição de phronesis
  • A consciência, enquanto atestação-injunção, significando que estas “possibilidades as mais próprias” do Dasein são originariamente estruturadas pelo optativo do bem-viver
  • O optativo do bem-viver governando a título secundário o imperativo do respeito e juntando-se à convicção do julgamento moral em situação
  • A passividade do ser-injungido consistindo na situação de escuta na qual o sujeito ético se acha colocado em relação à voz que lhe é endereçada à segunda pessoa
  • O sujeito ético se reconhecendo injungido de viver-bem com e para os outros em instituições justas e de se estimar a si mesmo enquanto portador deste voto, ao se achar interpelado à segunda pessoa
  • A alteridade do Outro sendo a contrapartida, no plano da dialética dos “grandes gêneros”, desta passividade específica do ser-injungido

* A irredutibilidade da alteridade da consciência à alteridade de outrem

  • O terceiro desafio: a questão de se o Outro não é, de uma maneira ou de outra, outrem
  • A tentação forte de aproximar, por contraste, a alteridade da injunção daquela de outrem, enquanto Heidegger rebate a alteridade do apelo à estranh(eir)eza e à nulidade do ser-lançado, e reduz a alteridade da consciência àquela englobante do ser-no-mundo
  • A ultimidade da reconciliação em Hegel deixando o leitor perplexo quanto à identidade deste outro na “confissão expressa pela visão de si mesmo no Outro” (trad. Hyppolite, t. II, p. 198)
  • O perdão marcando já a entrada na esfera da religião, deixando Hegel seu leitor em suspenso
  • A última equivocidade quanto ao estatuto do Outro no fenômeno da consciência sendo talvez o que pede para ser preservado em última instância
  • A alteridade tranchada em um sentido clara e univocamente antropológico na metapsicologia freudiana: a consciência moral sendo um outro nome do supereu
  • O supereu se resumindo às identificações (sedimentadas, esquecidas, e em grande parte recalcadas) com as figuras parentais e ancestrais
  • A dimensão geracional sendo uma componente inegável do fenômeno da injunção e mais ainda daquele da dívida
  • A objeção à explicação genética de Freud de que o fenômeno da injunção e ainda menos o da dívida não são exauridos por ela
  • O soi não constituído originariamente em estrutura de acolhimento para as sedimentações do supereu, tornando impensável a interiorização das vozes ancestrais
  • A aptidão a ser-afetado no modo da injunção parecendo constituir a condição de possibilidade do fenômeno empírico de identificação
  • O modelo geracional da consciência recelando outra enigma mais indecifrável: a figura do ancestral, para além daquela dos pais, iniciando um movimento de regressão sem fim
  • O ancestral se excetuando do regime da representação, como verifica sua captura pelo mito e pelo culto
  • A pietas de um gênero único unindo assim os vivos e os mortos, refletindo o círculo do qual o ancestral tira a autoridade de sua voz
  • O ancestral, figura geracional do Outro, sendo o intermédio pelo qual a injunção se precede a si mesma
  • A oposição, à redução, característica da filosofia de M. Heidegger, do ser em dívida à estranh(eir)eza ligada à facticidade do ser no mundo, de E. Levinas, de uma redução simétrica da alteridade da consciência à exterioridade de outrem manifestada em seu rosto
  • A oposição obstinada ao caráter original e originário do que aparece como a terceira modalidade de alteridade: o ser-injungido enquanto estrutura da ipseidade
  • A injunção pelo outro não sendo solidária da atestação de si, perdendo seu caráter de injunção, por falta da existência de um ser-injungido que lhe faça face à maneira de um respondente
  • A injunção sendo originariamente atestação, sob pena de a injunção não ser recebida e de o soi não ser afetado no modo do ser-injungido
  • A unidade profunda da atestação de si e da injunção vinda do outro justificando o reconhecimento da especificidade irredutível da modalidade de alteridade correspondendo, no plano dos “grandes gêneros”, à passividade da consciência no plano fenomenológico
  • A necessidade de manter uma certa equivocidade no plano puramente filosófico do estatuto do Outro, se a alteridade da consciência deve ser tida por irredutível àquela de outrem
  • O filósofo devendo confessar que não sabe e não pode dizer se este Outro, fonte da injunção, é um autrui que se possa avistar ou que possa desavistar, ou os antepassados cuja dívida é constitutiva, ou Deus – Deus vivente, Deus ausente – ou um lugar vazio
  • O discurso filosófico se detendo nesta aporia do Outro

PS: RICOEUR, Paul. Soi-même comme un autre. Paris: Editions du Seuil, 1990.

/home/mccastro/public_html/fenomenologia/data/pages/autores/ricoeur/ricoeur-1990-a-consciencia.txt · Last modified: by 127.0.0.1

Except where otherwise noted, content on this wiki is licensed under the following license: Public Domain
Public Domain Donate Powered by PHP Valid HTML5 Valid CSS Driven by DokuWiki