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Luijpen (IFE:27-28) – "utilidade" da Filosofia

Data: 2021-11-12 09:29

Introdução à fenomenologia existencial

Capítulo 1 O homem como existência

LUIJPEN, Wilhelmus Antonius Maria. Introdução à fenomenologia existencial. Tr. Carlos Lopes de Mattos. São Paulo: EDUSP, 1973, p. 27-28

Os que se dedicam às ciências positivas zombam do filósofo. Por isso, o filósofo pode ser tentado a demonstrar a utilidade da filosofia.1) Mas em vão.2) Com efeito, como os que não veem o significado do filosofar compreenderiam com o termo “utilidade” outra coisa senão a utilidade que experimentam no exercício de suas várias ciências ? A física nuclear, a biologia, a economia ou a psicotécnica, p. ex., são úteis para o mundo de trabalho em que estão integradas, mas para ele a filosofia é completamente inútil.3) A primeira descrição dada por Josef Pieper, numa esplêndida dissertação sobre a filosofia e mundo do trabalho, diz: “Filosofar é um ato pelo qual se supera o mundo do trabalho.”4) O ato filosófico deixa muito atrás de si a “utilidade”, como a procuram no mundo do trabalho. Caracteriza-se por uma “inutilidade” que não pode abandonar sob pena de não ser mais filosofia.5) Justamente, [28] porém, por tender nossa sociedade mais e mais a uma organização tecnocrática do trabalho,6) a filosofia não só é útil _ embora num sentido totalmente diverso do que o usado em uma tecnocracia — mas até necessária, ao menos para muitos.

Isso não se pode provar fora da ocupação com a filosofia. A compreensão da “utilidade” e necessidade da filosofia pressupõe a presença à realidade que se chama filosofar, à experiência do real filosofar. Dada a circunstância de que essa realidade está ausente para quem mergulha totalmente numa mentalidade tecnocrática, deve reconhecer-se que, na melhor das hipóteses, o que o filósofo diz acerca do ato de filosofar só pode ser aceito em boa fé. Acrescente-se ainda, como ficou demonstrado antes, a objeção de que essa “aceitação” não seja filosófica. Quase sempre verificamos, assim, que uma defesa como a que fizemos não convence os não-filósofos. Os filósofos, porém, não precisam dela, porque a significação da filosofia aparece no próprio filosofar.7)

1)
“Não se poderá jamais dizer até que ponto a imagem da oficina e do laboratório terá preocupado os filósofos. É um ponto a aprofundar. Complexo de inferioridade do filósofo perante o sábio — mas do filósofo que traiu. O filósofo não cederá nunca”. Marcel, G., Du Refus à l’Invocation, ll.a ed., Paris, 1940, p. 86.
2)
“A flosofia deve justificar-se assim. Impossível! Não pode justificar-se por uma outra, para a qual teria utilidade. Só pode voltar-se às forças que, de fato, levam todo homem ao filosofar”. K. Jaspers, Einführung in die Philosofie, München, 1957, p. 16.
3)
J. Pieper, Was heisst Philosophieren ?, München, 1956, pp. 23-24.
4)
J. Pieper, trad. brasileira, op. cit., p. 12.
5)
G. Verbere, Apologia Philosophiae, em: Tijdschrift woor Philosophie XIX (1957), p. 598.
6)
R. C. Kwant, Het arbeidsbestel, Een Studie over de geest van onze samenleving, Utrecht-Antwerpen, 1957.
7)
“Toda filosofia se define a si mesma por sua realização. O que ela é, eis o que devemos tentar saber. Aí a filosofia será, ao mesmo tempo, a execução do pensamento vivo e a reflexão sobre ele, ou o fazer e o falar sobre ele. Só por meio da tentativa própria é que se poderá verificar o que ocorre no mundo como filosofa”. K. Jaspers, op. cit., p. 14.
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