McNeill (1999:34-37) – phronesis
Data: 2024-10-09 14:37
[…] Phronesis refere-se ao conhecimento pertencente à praxis humana, na medida em que essa atividade constitui um fim em si mesma. Ela é descrita como “uma disposição reveladora que ocorre por meio do logos [hexis alethe meta logon], preocupada com a ação em relação ao que é bom e ruim para os seres humanos” (Ética a Nicômaco, 1140 b7). Como a techne, a phronesis pertence à faculdade deliberativa da alma, uma vez que esta apreende objetos cujos archai são variáveis. No entanto, a phronesis não é o mesmo que a techne, porque “a poiesis visa a um fim que é diferente de si mesma, enquanto que no fazer [praxis] o fim não é outro, o fazer bem [eupraxia] é em si mesmo o fim” (EN, 1140 b4). Na techne, o conhecimento é direcionado para o produto final como o fim ou telos desse conhecimento. Na phronesis, por outro lado, o conhecimento é direcionado para a própria ação como constituinte do ser do phronimos, a pessoa de sabedoria prática. A phronesis é um conhecimento sintonizado com os seres humanos em sua singularidade e em seu ser comum uns com os outros, preocupado com o ser humano como “uma origem de ações [arche ton praxeon]” (EN, 1112 b32).1). Além disso, enquanto a techne é aprendida e aperfeiçoada por um processo de tentativa e erro, esse não é o caso da phronesis: na ação ética, a pessoa não pode, fundamentalmente, experimentar consigo mesma da mesma forma que a techne experimenta com seu objeto, ou seja, de forma a ser capaz de uma indiferença em relação a esse objeto (cf. GA19, 54). Pois a phronesis é uma visão (“conhecimento”) de si mesmo como um si que age, como o si que está agindo em qualquer situação particular, e não uma visão de si mesmo como um objeto cujo próprio ser é diferente do ser de si mesmo. No entanto, o si atuante em questão não é, de forma alguma, um “sujeito” em qualquer sentido moderno — até porque não pode ser representado. A phronesis é uma relação intrínseca com o próprio ser. Para formulá-la em termos paralelos à caracterização de Heidegger do Dasein em Ser e Tempo — um paralelo que investigaremos mais a fundo no capítulo 4 — a phronesis implica uma visão na qual o ser do ser humano que eu mesmo sou está em questão (e, portanto, em algum sentido, aberto, em jogo, ainda a ser decidido). Ela implica um tipo de visão cujo próprio modo de ser não é indiferente a ela; sua atividade é estruturada como um cuidado ôntico-ontológico de si mesmo.2) Na medida em que a arche e o telos da phronesis coincidem, a phronesis parece ser uma forma completa e autocontida de conhecimento, que Aristóteles descreverá como uma “visão de si mesmo [to hautou eidenai]” (EN, 1141 b35). Em nosso fazer e agir, “vemos” a nós mesmos e, portanto, estamos de certa forma presentes para nós mesmos imediatamente, sem qualquer distância contemplativa ou objetivação.
No entanto, nossa relação originária e mundana com nós mesmos como entes atuantes não apenas pressupõe a ocultação; essa relação e sua ocultação podem se tornar ocultas e encobertas em e por meio de nossas interpretações orientadoras de nós mesmos e do mundo. A phronesis é reveladora — é um aletheuein — precisamente porque a ocultação é intrínseca ao ser do eu como ser atuante. Como diz Heidegger: “Na medida em que o próprio ser humano é o objeto do aletheuein da phronesis, o ser humano deve estar em uma situação de ser encoberto de si mesmo, de não se ver, de modo que um a-letheuein explícito é necessário para se tornar transparente [durchsichtig] para si mesmo” (GA19, 51). A revelação de si mesmo, a obtenção da transparência, é relativa à situação prática; é radicalmente finita e, como tal, uma tarefa infinita, que deve ser realizada sempre de novo. [GA19, 56] Além disso, a ocultação de si mesmo não é apenas um resultado possível de uma determinada autointerpretação. Como Aristóteles indica com referência ao prazer e à dor, um estado de espírito ou sintonia pode ocultar o ser humano de si mesmo, de modo que a arche “não se mostra (em phainetai) como tal.” [GA19,51-52; EN, 1140b17] E, por essa razão, a phronesis deve ser repetidamente recuperada (soizei) por uma certa compostura (sophrosyne) (EN, 1140 b10f.).
Assim, Heidegger resume inicialmente a phronesis da seguinte forma:
A phronesis não é, portanto, nada evidente, mas é uma tarefa que deve ser assumida em uma prohairesis…. A phronesis é uma hexis de aletheuein, “um tipo de disposição do Dasein humano no qual disponho sobre a transparência do mim mesmo.”3) (GA19, 52)
Mas o fato de a phronesis continuar sendo uma tarefa, e não uma realização perfeita, aponta para outra coisa importante, a saber, o fato de que esse tipo de conhecimento não é uma hexis independente ou um modo de revelação:
A phronesis é, portanto, ela mesma, de fato, uma aletheuein, mas não independente, ao contrário, é uma aletheuein a serviço da praxis; é uma aletheuein que torna uma ação transparente em si mesma. Na medida em que a transparência de uma praxis é constitutiva da mesma, a phronesis é co-constitutiva da realização adequada da própria ação. A phronesis é uma aletheuein, mas, como observado, não é independente; ao contrário, ela guia uma ação. (GA19, 53)
Em outras palavras, a revelação que ocorre deliberadamente na phronesis, por meio do logos, é ela mesma dependente e direcionada, ou seja, subserviente a uma revelação mais originária. A phronesis, como veremos, de fato orienta uma ação, mas em sua capacidade deliberativa não revela primeiro a situação prática da ação, nem de fato revela o fim primário para o qual uma ação é dirigida antecipadamente.
Esta é apenas uma situação preliminar da phronesis em relação às outras virtudes intelectuais, e será necessária uma análise mais cuidadosa da praxis e, em particular, de sua visão específica. Antes de prosseguir com a análise da phronesis em maiores detalhes, Aristóteles considera brevemente as duas maneiras restantes pelas quais a alma alcança a verdade por meio do logos, a saber, sophia e noûs.
PS: MCNEILL, William. The Glance of the Eye. Heidegger, Aristotle, and the Ends of Theory. New York: SUNY, 1999
