Luijpen (1973:101-103) – Realismo fenomenológico
Data: 2024-11-19 13:37
A ideia de intencionalidade da fenomenologia exclui o idealismo. O sujeito-como-cogito está, enquanto intencionalidade, dirigido àquilo que não é o próprio sujeito. Numa volta reflexiva ao conhecimento como realmente ocorre, o filósofo sempre depara com a insuperável facticidade do dado corporal. A densidade do que é dado de fato nunca pode ser anulada, pois que o sujeito-como-cogito é, por si mesmo, um modo de ser-no-mundo.1) O sujeito-como-cogito, por conseguinte, não é jamais mera atividade, mas sempre também “sensibilidade” para com uma realidade que não é o próprio sujeito. O homem cognoscente é simplesmente o guarda da realidade.2)
O realismo, como concebido na tradição, torna-se igualmente impossível graças à ideia de intencionalidade.3) O mundo, como a fenomenologia o pensa, é o mundo real. O correlato do sujeito-como-cogito, existente, é o que se mostra (das Sichzeigende), o manifesto (das Offenbare); é o “desoculto”, o “fenômeno”, em suma: o próprio Sendo que aparece a fenomenologia chama “sentido”. O sentido tem alguma coisa a “dizer” ao sujeito-como-cogito, dado que é desocultação. Mas é desocultação porque o próprio sujeito não é pura passividade: é também, apesar de sua passividade, atividade, desde que é o deixar-se (Seinlassen) do sentido.4) O sentido é o desoculto. O sentido é o desoculto que se impõe ao sujeito no conhecimento.5) É o real ! Mas o fato de que o real se impõe não dá a ninguém o direito de conceber o real como em-si, porque o em-si “é” aquilo que, por princípio e definitivamente, está oculto, nada tendo, portanto, a “dizer” ao sujeito. O “real”, conceituado pelo realismo comum, não é “fenômeno”: “foi fenômeno” e tornou-se “realizado”. Isso significa que o em-si do realismo corrente é bem, primeiramente, o resultado do deixar-ser do sujeito e se liga a ele. Mas, em segundo lugar, está separado desse deixar-ser e, sendo uma realidade completamente original, é “posto” fora da existência.6) O sentido prende-se firmemente ao dizer-e que é o próprio sujeito-como-cogito, existente.7) O realismo faz abstração desse dizer-e e, apesar de tudo, julga poder chamar o Sendo de Sendo.
Do que ficou dito pode deduzir-se que o dilema tradicional “idealismo-realismo” não constitui um verdadeiro dilema. Não há inconveniente, portanto, em se chamar a fenomenologia uma filosofia realista, por não se entender o termo “realista” no sentido objetivista em que o realismo tradicional, re-presentacionista, o tomava. Mas, para distinguir com precisão o sentido em que a palavra é usada na fenomenologia e a realidade bruta do realismo representacionista, já se emprega atualmente, em geral, os termos em-si-para-nós ou ser-para-nós,8) com o que se exprime a própria independência-do-ser do sentido mundano perante o sujeito.
PS: LUIJPEN, Wilhelmus Antonius Maria. Introdução à fenomenologia existencial. Tr. Carlos Lopes de Mattos. São Paulo: EDUSP, 1973
