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Rosendo: Henry comenta Wittgenstein

Data: 2021-09-15 22:14

NO PRINCIPIO ERA O ACTO

Ecos do excerto de um parágrafo de Wittgenstein no pensamento de M. Henry

Excerto de ROSENDO, Ana Paula. [‘NO PRINCIPIO ERA O ACTO’. Ecos do excerto de um parágrafo de Wittgenstein no pensamento de M. Henry.→http://www.lusosofia.net/textos/20130324-rosendo_ana_no_pincipio_era_o_acto.pdf] Covilhã: LusoSofia, 2013, p. 4-5.

Ludwig Wittgenstein 1) utiliza uma expressão da obra Fausto de Goethe, “No princípio era o acto”, por ser ilustradora de uma das suas ideias mais caras, a importância da acção. Este mote inspirou-nos à consideração do papel da acção no pensamento de Michel Henry. Pode, à primeira vista, parecer desconcertante que uma fenomenologia da imanência se preocupe com questões aparentemente objectivas, porque a praxis é vista, na generalidade dos casos, como uma objectivação. Ora, é justamente por ligar a praxis ou produção à subjetividade viva que esta se toma numa fenomenalidade do real, porque a realidade são os sujeitos vivos e não outra coisa. A idealidade teórica e objectivadora, uma constante da tradição ocidental que, na óptica deste autor, é constratura de mundos virtuais e alienadores, como leitor e intérprete de Marx, considerou que este pensamento propõe «inverter o sentido da relação fundadora que se instituiu entre o real e o ideal»,2) porque a realidade deve ser compreendida como «acção e produção».3)

Artigo bicéfalo propõe-se a analisar a acção sob duas vertentes, numa primeira parte pondo o enfoque na praxis social e cultural através do Marx, numa segunda procurando a gênese transcendental da acção através de uma fenomenologia da carne.

Como o Homem produz, desde sempre, tudo aquilo que faz parte da sua vida, tudo aquilo de que necessita, o trabalho transforma-se em revelação do sujeito, materializando-o e dando-lhe simultaneamente um sentido, a par de uma consciência de si próprio. É pelo trabalho que nos conhecemos como sujeitos e como Povo.4) Assim, o Homem real e carnal é subjetividade auto-impressional que se revela e se desvela na acção. A praxis como acção real não é somente a do artesão, a do operário ou a de outra qualquer profissão, mas encontra-se presente em todo o tipo de actividade humana, desde o cuidar dos filhos, até ao cultivo da amizade, porque o Homem não está, em momento algum, destituído da afetividade que é a sua essência, porque o Homem é sempre um ser de relação. Convém sublinhar que a praxis não é um processo que deriva de uma interioridade “cega” que precisa de grandes representações teóricas que a orientem ou dirijam. É um processo que é subjetivo e deriva da experiência interior, é «tensão viva de uma existência que se prova no seu acto e que com ele coincide».5) Mais do que uma atividade que deriva de uma necessidade, a praxis ou produção encontra as suas determinações nas estruturas internas do indivíduo atualizando-as permanentemente. Portanto, não devemos fazer corresponder o trabalho que é praxis subjetiva a algo que é objetivo “porque a essência do trabalho é subjetiva, subjetivas também devem ser as suas leis.”6)

Toda a praxis radica no sujeito individual e a ideia de praxis social como um todo só adquire sentido se reportar ao indivíduo, ao sujeito encarnado e impressivo. A ideia de que possa existir uma praxis social desligada dos sujeitos é perigosa, pois corre o risco de se transformar numa hipóstase esmagadora dos mesmos.7)

1)
402. «(…) und schreib getrost “Im Anfang war die Tat.”» In: Wittgenstein, L. Da Certeza, trad. Ma Elisa Costa, Lisboa, ed 70, 2012.
2)
Henry, M., Marx I, Une Philosophie de la Réalité, Paris, Gallimard, 1976, p.81.
3)
Idem, ibidem, p. 82.
4)
Henry, M., Phénoménologie de la vie, Le concept de l’être comme production, tomo III, Paris, P.U.F., 2004, p.23.
5)
Idem, ibidem, p.33.
6)
Idem, ibidem, p. 35.
7)
Henry, M., Marx I, p.358.
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