Solomon (2012) – Nietzsche, confronto com a moralismo

Data: 2025-11-03 06:00

What Nietzsche Really Said

* Na obra cinematográfica singular de Liliana Cavani, intitulada “Para Além do Bem e do Mal”, a personagem central, dotada de um charmoso bigode e interpretando Nietzsche, irrompe em gargalhadas durante uma conversa à mesa, proferindo de forma descartável, mas com profundidade crítica: “A Moralidade—há, há!”, o que encapsula o ponto de vista frequentemente depreciativo de Nietzsche sobre a Moralidade, embora ele a considerasse a suprema e mais bem-sucedida manifestação do declinismo e do niilismo, contrariando os principais moralistas que alegavam ser a Moralidade, juntamente com a religião, a proteção contra as forças do declinismo e do niilismo. * Antes de avançar na compreensão do significado de moralidade, é crucial estabelecer uma distinção meticulosa entre o conceito de “moralidades” (no plural), entendidas como diversas “ordens de valor hierarquizadas”, e o conceito de “Moralidade” (no singular e com inicial maiúscula), que se refere a um sentido específico característico, embora não exclusivo, da sociedade burguesa moderna.

* Em contraste, o segundo sentido do termo, Moralidade (com a inicial maiúscula), é especificamente particular, mesmo que ocasionalmente seja descrito por meio de regras ou princípios bastante gerais e até mesmo “universais”.

* É esta concepção de Moralidade — como algo singular, categórico (em oposição a condicional às circunstâncias e ao temperamento de um povo ou indivíduo), ditado pela autoridade (seja Deus ou a Razão Prática) e em grande parte proibitivo (“Não deves…!”) — que Nietzsche rejeita e contra a qual ele declara guerra.

* Para compreender a sua guerra contra a Moralidade, a palavra-chave da ética de Nietzsche é derivada, previsivelmente, dos antigos, especificamente do poeta grego Píndaro (522–438 A.C.E.), que ele cita repetidamente: “Torna-te quem tu és!”

* Nietzsche afirma que cada indivíduo possui um conjunto único de virtudes, mas ao acreditar que a verdadeira essência é definida por um conjunto de regras ou princípios gerais (imperativos categóricos), nega-se essa singularidade, sacrificando-se as virtudes à categoria insípida e anônima de “ser uma boa pessoa”.

* Uma maneira de interpretar a rejeição de Nietzsche à Moralidade é através de uma justaposição histórica entre dois tipos muito distintos de teoria ética.

* Por outro lado, apresenta-se Aristóteles, um filósofo antigo que, à semelhança dos seus mestres, Platão e Sócrates, focou na excelência individual ou virtude (arete).

* Em termos simples, Nietzsche assemelha-se mais a Aristóteles do que a Kant, defendendo, na terminologia contemporânea, uma ética da virtude em vez de uma ética de princípios racionais ou obrigações.

* Adicionalmente, apesar de Nietzsche poder concordar que, idealmente, uma grande sociedade seria um terreno fértil para o cultivo das virtudes nos seus membros, a sua própria rejeição da sociedade em que vivia sugere uma separação entre individualidade e comunidade, virtude e boa cidadania, que teria sido chocante para Aristóteles.


PS: SOLOMON, Robert C. What Nietzsche Really Said. Westminster: Knopf Doubleday Publishing Group, 2012.