Scheler (1926/2021) – Cognição e Trabalho

Data: 2025-11-03 10:53

Cognition and work

Erkenntnis und Arbeit

O pathos que o ser humano moderno vincula à palavra “trabalho” exerceu enorme influência sobre a visão filosófica da cognição e sobre o significado do ser humano. Sua intensidade tornou-se tanto maior quanto mais o ser humano moderno procura libertar-se das antigas tradições espirituais cristãs e busca criar para si uma visão de mundo e um ethos a partir de suas próprias condições de vida e de existência. Esse pathos encontra sua expressão mais precisa no Manifesto Comunista: o trabalho é o “único criador de toda educação e cultura”. A melhor evidência do aumento da intensidade desse pathos é o surgimento do “pensamento pragmático” na epistemologia, bem como na metafísica. É o ser humano “homo rationalis” e não apenas “homo faber”? Esta é a questão decisiva que cumpre ousar levantar. —-

* O pathos que o ser humano moderno atribui à palavra “trabalho” exerceu uma influência tremenda na visão filosófica da cognição e no significado do ser humano.

* Mesmo para aqueles que não se importam com questões especulativas, o fato de que a produtividade da ciência positiva moderna (o seu progresso contínuo e o sucesso mundial da tecnologia em dominar a natureza) se baseia na íntima unificação da ciência com a forma técnico-mecânica da produção de bens é dado como certo a tal ponto que a relação sistemática e íntima entre trabalho e cognição na civilização moderna nunca é posta em questão.

* O surgimento dessa unidade entre trabalho e cognição — que separa o mundo ocidental moderno do coletivo pré-mundo e do com-mundo, de todas as formas de “ciência” contemplativa ou teorias da sabedoria (às quais pertencem as ciências chinesa, indiana e grega), e de qualquer forma de economia que visa apenas satisfazer necessidades — permanece incrivelmente ambíguo.

* Para se ter um esboço do problema, deve-se colocar a questão antitética de “ou-ou”:

* Se a última descrição for o caso, seria necessário estabelecer como meta de discussão se as formas de pensamento e intuição com que a ciência moderna aborda o dado da natureza, se os métodos e os objetivos de cognição da ciência moderna teriam sido construídos pelo pressuposto pré-lógico e alógico desta “vontade de poder e domínio sobre a natureza” e pelo sucesso/fracasso dos seus efeitos, construídos no curso dessa adaptação prático-técnica à natureza. * A resposta afirmativa a essa questão não implica que o pesquisador individual tenha tido, em sua intenção e motivação, um objetivo diferente da chamada cognição “pura” da coisa, ou que ele tenha já algum sentido do possível valor prático do seu trabalho.

* Nesse rumo mais sofisticado, qualquer cognição de leis naturais, utilizada tecnicamente de forma mais frutuosa, não é buscada e encontrada por causa dessa utilização, mas é obtida exclusivamente a partir da própria lógica do método em intenção teórica pura.

* Mesmo que o pragmatismo mais sofisticado esteja correto ao rejeitar a banalidade da intenção subjetiva, a questão principal sobre a determinação das formas de pensamento não está resolvida.

* A intenção do autor é fornecer apenas considerações teóricas fundamentais que revelem novos caminhos para a solução desta questão, que tem sido mal formulada.

* Para um procedimento sistemático, o problema do trabalho e da cognição deve ser investigado de cinco maneiras na visão de mundo moderna:

* O autor examinará o problema da cognição e trabalho a partir dos segundo e terceiro pontos de vista nesta exposição.

#### Ponto de Vista Histórico e Sociológico (Desenvolvido)

* As pesquisas de Pierre Duhem (história da mecânica, termodinâmica e teoria da energia) e Ernst Mach mostram que as tarefas técnicas abrangentes deram o impulso por trás de vários aspectos da matemática e ciência natural, e que a logificação e sistematização dos resultados foram geralmente subsequentes.

* Quando não há a capacidade de realizar o experimento na realidade, ele se torna um “experimento de pensamento.”

* No deísmo dos séculos XVII e XVIII, o próprio Deus se torna apenas um “engenheiro mundial” infinito que fabricou a máquina do mundo de forma que ela possa funcionar de maneira ideal sem direção divina. * A nova ideia de poder (expressa simultaneamente na teologia de Calvino, na teoria da soberania de Bodin, e na política de Hobbes e Maquiavel) seleciona novamente os objetos de cognição e determina novamente os seus objetivos (a explicação mecanicista da natureza).

* A teoria da cognição é capaz de mostrar de forma convincente que a pura vontade de cognição (lógica, matemática e intuição) nunca levaria a uma explicação mecanicista (material ou formal) dos fenômenos da natureza ou da alma (como acreditavam Kant e Driesch).

* Esse tipo de pensamento funcionalizou-se através de experiências para se tornar o mais alto valor do conhecimento, e foi separado de todos os outros tipos possíveis de experiência como a única possível.

* É certo que: na medida em que qualquer ser vivo pode guiar a natureza e a alma para algum objetivo particular por movimento espontâneo, a sua aparência e ser devem estar enraizados no “movimento” de coisas primárias transportáveis (massas, elétrons, etc.).

* Não foi nem o “entendimento puro” nem o “espírito puro” que esboçaram, no início da modernidade, o imenso programa de uma explicação mecanicista abrangente da natureza e da alma (física, química, biologia, psicologia, sociologia, etc.).

* Qualquer “tipo de pensamento” ou esquema antecipatório (no qual as visões de mundo e formas de ciência apresentam o ser-assim do mundo) tem origem através da “funcionalização” (funcionalização de um detalhe particular de intuições e *insights* essenciais).

#### Epistemologia e Psicologia do Desenvolvimento

* A tese pragmática, em todas as suas expressões, subscreve a “proposição” de que todo conhecimento é geneticamente apenas o resultado de uma espécie de ação interior e uma preparação para uma remodelação do mundo.

* A teoria da percepção recebe mais atenção do que a teoria pragmática do pensamento por dois motivos:

* O problema é também fisiológico e psicológico do desenvolvimento em múltiplos sentidos:


PS: SCHELER, Max. Cognition and work: a study concerning the value and limits of the pragmatic motifs in the cognition of the world. Tr. Zachary Davis. Evanston (Ill.): Northwestern university press, 2021.