#### A Explicação Causal de Todo Fato Intramundano
* A suscetibilidade de todo fato intramundano, que se anuncia sob o horizonte do mundo, a uma explicação causal.
A ação que possui uma finalidade remetendo à totalidade dos fins efetivos ou possíveis de um indivíduo dado.
O evento que sobrevém e deve ter necessariamente suas causas, que remetem a outras causas encadeadas em um contexto significante.
* O questionamento não pertinente de uma causa primeira, de uma arkhe, de um princípio, ou de uma fim último da ação humana.
O modo como a questão da causalidade se coloca a partir de um evento singular, não como uma questão de direito.
A forma que a questão reveste na “dialética transcendental” da Crítica da razão pura: “há ou não há uma causa primeira do que acontece, que por sua vez não pressupõe, segundo uma lei da natureza, uma causalidade antecedente?”.
A colocação da causalidade como uma questão de fato:
Todo evento singular, precisamente em tanto que singular, só pode ser identificado no interior de um contexto.
O evento que não tem somente uma causa, mas causas em número indefinido.
As causas que dependem da multiplicidade dos eventos que articulam o contexto.
A causalidade que aparece inesgotável em fato, mesmo que possa ser percorrida, em direito, na infinidade de suas ramificações.
* A ilustração da inesgotabilidade factual da explicação causal a partir do evento singular: a queda da maçã.
A insuficiência da lei universal da gravitação como causa, por valer identicamente para todos os eventos submetidos à sua jurisdição.
As causas específicas para a queda da maçã como evento singular:
O amadurecimento do fruto.
A dependência do amadurecimento ao insolação do pomar onde a macieira cresceu.
A doçura do clima desta estação outonal tardia.
A variedade da maçã.
As condições atmosféricas (exemplo: a velocidade e intensidade do vento).
A clareza de que a explicação causal de todo fato intramundano singular é sempre possível em direito, mas permanece, de fato, inesgotável.
* A inesgotabilidade factual da explicação causal pela intervenção de uma multiplicidade de causas cuja infinidade é impossível de abarcar.
#### A Abstração Metódica na Ciência Clássica e a Desmundanização do Fato Intramundano
* A necessidade da ciência clássica de isolar a causa, a única pertinente, da queda dos corpos em geral.
O isolamento que ocorre porque a ciência fez abstração prévia dos eventos que envolvem o fato singular em seu contexto e em uma trama causal inesgotável.
O preço da abstração metódica para a descoberta de uma “lei da queda dos corpos em geral”.
* O significado da abstração como restrição do contexto no qual o evento surgiu.
A restrição alcançada graças a uma experimentação metódica.
A experimentação que permite eliminar as variáveis não pertinentes para o cálculo de uma lei física (exemplo: o amadurecimento da maçã, a velocidade do vento).
* O ato da ciência, para as necessidades de sua método, de se entregar a uma desmundanização do fato intramundano.
A eliminação, de sua trama causal, de todas as causas não pertinentes que interferem, na teoria, com o cálculo da lei, a única explicativa em termos científicos.
* A necessidade de não mascarar o processo de desmundanização, que confere universal validade às prestações metódicas da ciência.
* O caráter irredutível da fenomenalidade de todo evento considerado em seu contexto intramundano: a inesgotabilidade da trama causal.
#### A Questão da Explicabilidade Causal do Evento em seu Sentido Eventual
* A arqueologia explicativa, mesmo parcial e incompleta, à qual se presta a trama causal de todo fato intramundano, mesmo que seja inesgotável em direito.
* A indagação se o evento, em seu sentido eventual, é suscetível de uma explicação causal.
#### O Surgimento An-árquico e a Transcendência do Evento à Causalidade Antecedente
* O evento como puro começo a partir do nada.
* O evento que, em seu surgimento an-árquico, se ab-solve de toda causalidade antecedente.
* A distinção entre a preparação e a explicação:
O evento que pode ser preparado, prefigurado e ter uma ancoragem em uma história, tendo, tal como o fato intramundano, suas causas.
As causas que não explicam o evento.
O que as causas “explicam” é sempre e precisamente o fato, e não o evento em seu sentido eventual.
* A possibilidade de pesquisar as causas de um encontro (exemplo: ocasião de uma festa, reunião política, universidade, mesma disciplina, etc.).
A causalidade puramente “física” (a presença de dois seres em um mesmo lugar).
O pano de fundo “psicológico” que se poderia tentar explicar.
Amigos e interesses intelectuais comuns constituindo uma “razão suficiente” para dar conta da atração mútua (exemplo: a juventude ou a pertença a um mesmo meio social).
A constituição de um começo de explicação por estas razões, mesmo que não deem conta “inteiramente” do evento do encontro.
* A capacidade explicativa de tais “razões” se o evento do encontro se reduzisse à sua efetivação como fato.
* A impossibilidade de qualquer arqueologia causal fornecer a cifra ou esgotar o sentido do evento.
* O que confere ao encontro seu caráter de evento:
A transcendência radical de sua própria efetivação.
A reconfiguração dos possíveis articulados em mundo.
A introdução, na própria aventura, de um sentido radicalmente novo.
O abalo, o transtorno completo da aventura e a modificação de todos os projetos anteriores.
A decisão, a cada vez, do próprio sentido da aventura a partir deste encontro não buscado nem decidido.
* A consideração do encontro como simples fato (e não como evento) para que a pesquisa de causas (“físicas”, “psicológicas”, “sociológicas”) não seja um contrassenso absoluto.
* A única coisa que se pode dizer do evento é que ele tem sua causa em si mesmo, ou seja, em todo rigor, que ele não a tem.
A inclusão da citação: “Se me pressionarem a dizer por que a amava, sinto que isso só pode se expressar respondendo: porque era ela, porque era eu”.
O inevitável desfecho de toda arqueologia explicativa de um encontro neste inexplicável.
* O evento que não tem causa porque ele é sua própria origem: o que constitui seu verdadeiro sentido para a aventura humana.
#### A Originalidade e a Temporalidade do Evento
* A secessão do evento de todo fato anterior por seu próprio surgimento.
* O evento como puro jorro de si em si, imprevisível em sua novidade radical.
A instauração retrospectiva de uma cisão de todo o passado.
O nunca mais ser o mesmo mundo, com suas possibilidades e impossibilidades articuladas.
O evento que, ao se iluminar por sua própria luz e ao sobrevir fora de toda medida prévia, reconfigura a cada vez o mundo para aquele a quem ele sobrevém.
* A distinção entre o fato e o evento quanto ao horizonte.
Toda coisa e todo fato sendo encontrados sob um horizonte, anunciando-se sob a luz de seu contexto.
O evento que nunca é encontrado sob um horizonte, sendo o horizonte de seu encontro.
* A capacidade de todo fato e todo ente serem encontráveis no mundo se advêm no aberto de sua mostração.
O evento como aquilo que se abre a si mesmo, dando acesso a si.
O evento que, longe de se submeter a uma condição prévia, fornece a condição de seu próprio advento.
* A incompreensão da auto-originação e absolvição do evento de toda causalidade antecedente sem uma análise de sua temporalidade.
* A definição de uma causa: um fato, uma coisa ou um estado-de-coisas a partir do qual se efetua um possível pré-existente no horizonte do mundo.
* O que constitui a eventualidade de um evento:
Não sua efetuação intramundana (que poderia, na verdade, dar lugar a uma etiologia explicativa).
A carga de possibilidades que ele porta em si e traz consigo.
A carga que o impede de se reduzir a um fato no mundo.
* O evento que não cumpre um possível prévio, mas possibiliza o possível.
* O sentido etimológico: eventum (o que advém) apresentando algo irremediavelmente excessivo em relação a todo factum (o “tudo feito”, o cumprido, o acabado).
* O evento que não pertence à efetividade do fato, mas à possibilidade, ou à possibilidade de tornar possível, à possibilização.
* O evento distinto do fato que sobrevém no presente cumprido e definitivo.
O evento como o que se mantém em reserva em todo fato e toda efetuação.
A reserva que confere ao fato sua carga de possibilidades e, por conseguinte, de futuro.
A reserva que retransfigura o mundo até introduzir um excedente de sentido inacessível a toda explicação.
* As causas do encontro, mesmo sendo determináveis, que não explicam em nada o encontro como evento.
A não explicação de seu teor de sentido eventual.
A não explicação do que, neste encontro, transtornou a quem ele ocorreu para sempre.
O evento que transcende irremediavelmente a trama causal na qual ele se inscreve, no entanto, como fato.
* O evento que se origina a si mesmo, transcendendo sua própria efetuação e possibilizando o possível.
* O sentido de origem (origo, [Ursprung→/definitions?search=Ursprung]):
O que se levanta (orior) e se eleva por um salto (Ursprung) que rompe com toda proveniência.
A fonte viva, o puro jorro distinto de toda causa (Ursache).
A causa que significa sempre o remeter a outra coisa ([Sache→/definitions?search=Sache]) de onde o resto procederia.
* O evento que rompe a trama causal:
O contexto (“mundo” no sentido eventual) que não o explica.
O evento que, inversamente, ilumina seu próprio contexto conferindo-lhe um sentido que ele não prefigurava.
* O mundo como a totalidade das possibilidades interpretativas a partir das quais os fatos se tornam compreensíveis.
* O evento como aquilo que rompe o horizonte dos possíveis prévios.
A introdução de um sentido incompreensível à luz de toda explicação causal.
O evento que traz consigo seu próprio horizonte de inteligibilidade.
O evento que obriga o adventício a compreender de outra maneira a si mesmo e seu mundo.
#### A Reconfiguração do Mundo e a Totalidade dos Possíveis
* O evento que rompe com a ordem dos fatos e da efetividade.
* A transformação pós-surgimento do evento:
O nunca mais ser como antes.
O nunca mais ser o mesmo mundo, com suas possibilidades abertas.
O surgimento que transtorna completamente o mundo do adventício.
A abertura de novas possibilidades e o fechamento correlativo de outras.
* A indagação sobre a totalidade dos possíveis afetados pelo evento.
* A inexistência, para o adventício, de possíveis destacados.
O evento que, ao reconfigurar radicalmente certos possíveis, transtorna, a cada vez, o possível em totalidade.
* O mundo que não é uma soma de possíveis independentes.
* A ilustração pela doença:
A doença que não só altera a relação com o corpo.
A doença que transtorna o conjunto de tarefas, atividades, projetos.
O sentido dos projetos que é modificado pela doença.
* O mundo que o evento desdobra, introduzindo uma deiscência, um hiato, a luz de um rompimento que nunca serão preenchidos.
* O mundo que o evento transfigura completamente:
A possibilização diferente de seus possíveis.
A transformação de seus relações.
O transtorno de suas hierarquias.
* A condição para elucidar o sentido de tal reconfiguração do mundo: elucidar o que se deve entender por “possibilidade”.
#### Evento e História: A Ruptura da Causalidade e a Constituição Interna do Tempo
* A síntese das afirmações sobre o evento:
O evento que se liberta, em seu próprio sentido, de toda causalidade.
A causalidade que só pode se estabelecer entre fatos.
O evento que transcende toda efetividade e não é da ordem de um simples estado-de-coisas.
O evento que, em seu sentido propriamente eventual, projeta um mundo para o adventício, rearticulando a cada vez seus possíveis.
* A objeção aparente: se tal síntese não impede de pensar alguma “relação” entre os eventos, um “encadeamento” causal, uma “história”.
* A verdadeira relação: não é a história que é um encadeamento de eventos.
Cada evento verdadeiro que, como tal, tem sua história, abre uma história.
A história que pode ser fechada quando as novas possibilidades suscitadas pelo evento tiverem sido “esgotadas”.
O surgimento de outros eventos sem relação com esta história.
* O conceito de história só pensável se a constituição interna do tempo for primeiramente posta em luz.
O rompimento radical dos tempos em seu caráter ab-soluto.
Os tempos cindidos uns dos outros, radicalmente dia-crônicos e não sincronizáveis.
* A questão a ser deixada aberta: Qual conceito de “história” está à altura do conceito de evento tal como se tenta determiná-lo aqui?
* A crucialidade e urgência do problema da temporalidade do evento no quadro das análises preliminares.
* A necessidade de tentar precisar o sentido temporal do evento por contraste com o do fato intramundano.
PS: ROMANO, Claude. L’événement et le monde. Paris: PUF, 1998