A análise blondeliana se desenvolve pondo em evidência a potência da “vontade querente”, que tende para o cumprimento de seu desejo aberto indefinidamente, enquanto a “vontade querida” encarna esse élan na particularidade de nossas existências. A relação entre a vontade querente e a vontade querida é precisa: essa última alimenta-se daquela que lhe dá seu élan e da qual é a expressão e a correia de transmissão, sem nunca lhe esgotar a amplidão inteira.
* A metafísica recente não considera as formas abstratas do ente, mas sim o movimento espiritual que as estabelece.
Ela desdobra o que está implícito no questionamento mais vasto e mais originário do ser humano.
O seu alcance vai desde as pesquisas explícitas sobre a razão ou o sentido das nossas vidas até às condições necessárias que as tornam possíveis.
* O implícito assim resgatado não é da alçada da psicologia empírica do ato científico, pois a psicologia não pode pretender concluir de maneira absolutamente necessária.
O método transcendental, característico da filosofia moderna, distingue-se do método das ciências que enunciam *a posteriori* o nosso questionamento radical e os nossos atos razoáveis.
A *Crítica da Razão Pura* de Kant aplica esse método num quadro essencialmente epistemológico.
* Em Martin Heidegger e em Maurice Blondel, o método transcendental recebe uma aplicação mais ampla, de modo que o termo “transcendental,” com tonalidades kantianas, não lhes convém sem legítimos matizes.
O sentido da pesquisa intelectual não resulta apenas do seu trabalho cognitivo: apoia-se sobre a totalidade das nossas potências humanas.
O método transcendental transforma-se, assim, em fenomenológico.
* O método fenomenológico, criado por Husserl no começo do século XX com a finalidade kantiana de fundar as ciências na necessidade racional e não na psicologia empírica, evidencia a essência dos fenômenos.
* Heidegger alargou o campo da fenomenologia husserliana.
O espírito exerce o seu questionamento numa prática bem mais ampla do que a da ciência consciente da sua operatividade.
Toda a vida do homem põe a questão do seu fundamento.
O conhecimento do princípio não é dado a quem ignora a totalidade dos múltiplos fenômenos das nossas vidas.
A fenomenologia não pode contentar-se com analisar apenas as potências do nosso pensamento, mas abrange as nossas múltiplas atividades para nelas descobrir o laço que as organiza interiormente e nos orienta progressivamente para o seu princípio.
* Os primeiros parágrafos de *Ser e Tempo*, publicado em 1927 por Heidegger, insistem na articulação do fundamento dos entes e do dinamismo do espírito (ou do homem que se chama Dasein, o “ser-aí,” intimado a responder à questão sobre o sentido do seu ser).
Essa articulação é apresentada com a ajuda de categorias originais: o existenciário e o existencial.
O existencial designa o princípio das nossas vidas no mundo, sendo acessível através dos diversos fenômenos da nossa existência (existenciários).
A reflexão existencial assume o existenciário, procurando-lhe o sentido.
Os fenômenos existenciários apontam para uma ontologia existencial.
Contudo, como não se acede ao plano existencial sem passar pelos fenômenos existenciários, o exame da questão de princípio não se contenta com analisar a lógica de nossas noções abstratas mais gerais. A partida é tomada no vivido “existenciário.”
* A problemática de Blondel pode ser comparada à de Heidegger.
O *Ação* de Blondel, de 1893, embora anterior a *Ser e Tempo*, não desconhece o que é significado pelas distinções entre existenciário e existencial, ôntico e ontológico.
O dinamismo do Dasein não é totalmente diferente do dinamismo da “vontade querente” de Blondel.
A análise blondeliana se desenvolve evidenciando a potência da “vontade querente,” que tende para o cumprimento do seu desejo aberto indefinidamente, enquanto a “vontade querida” encarna esse élan na particularidade das nossas existências.
A inadequação entre a vontade querente e a vontade querida é verificada por meio de todas as nossas atividades.
Reconhece-se uma ordem entre as formas queridas dessas atividades, revelando a amplitude da vontade querente, que é progressivamente exercida e realizada de uma maneira sempre mais adequada, culminando na posição da pura ação (a “opção”), que pode atender inteiramente à vontade querente.
* No final de sua primeira obra, Blondel fala de uma “metafísica à segunda potência,” indicando um prolongamento possível da reflexão.
Essa metafísica à segunda potência funda não somente o que uma metafísica subjetiva apresentava como a realidade do ser (fenômeno especulativo), mas “todo o determinismo da natureza, da vida e do pensamento.”
Embora *A Ação* se prenda de maneira privilegiada ao movimento da vontade subjetiva para se opor ao positivismo e ao criticismo, não se limita aos problemas do “eu.”
De fato, a sua tese desenvolve a aliança dos atos do espírito e do ente, e em Blondel não há interesse pelo sujeito separado do seu fundamento metafísico.
* O plano de *A Ação* deriva dessa perspectiva:
Após mostrar a necessidade de pôr a questão do sentido da vida (1ª parte) e a necessidade de encontrar uma resposta positiva (2ª parte), Blondel analisa os domínios do saber e do agir humano (3ª parte).
O leitor é levado a reconhecer nos diversos fenômenos do dinamismo do espírito expressões em que a vontade querida tende a igualar a amplitude da vontade querente.
* O primeiro fenômeno do espírito é a atividade científica, uma primazia necessária para a filosofia, que não pode meditar sem analisar as suas expressões perante as exigências racionais.
Uma vez analisadas as ciências e reconhecido que a exigência do sentido não é extinta pelas suas práticas, afirma-se que elas não são a medida do ser, mas que o ser é a luz do seu sentido.
A fundação das ciências é assegurada por uma exigência que leva a ultrapassá-las.
*A Ação* segue o estudo dos fenômenos do espírito (como a liberdade pessoal, o engajamento na sociedade e os valores religiosos mais altos), culminando na “opção” (4ª parte).
O sentido de cada fenômeno analisado é então afirmado, reconhecendo a tensão que a todos atravessou.
“Tudo o que foi chamado dados sensíveis, verdades positivas, ciência subjetiva, crescimento orgânico, expansão social, concepções morais e metafísicas, certeza do único necessário, alternativa inevitável, opção mortífera ou vivificante, acabamento sobrenatural da ação, afirmação da existência real dos objetos do pensamento e das condições da prática, tudo não passa de fenômenos pelo mesmo título.”
Para concluir, Blondel sela todos esses fenômenos na afirmação positiva do princípio (5ª parte), que transcende o ato de liberdade, implementando-o além dela mesma.
* Segundo *A Ação*, a afirmação ontológica nasce do interior da análise dos fenômenos.
Todos os fenômenos manifestam uma inadequação entre a vontade querente e o que lhe é possível concretamente realizar.
No termo do percurso, e no caso da opção “positiva”, um olhar retrospectivo reconhece em cada fenômeno uma expressão provisória, mas já real, do infinito fundador.
Os fenômenos analisados não são mais entendidos como resultados de uma vontade que busca somente sua autoadequação, mas porque apontam para um fundamento ao qual o espírito se sabe desde sempre votado.
PS: GILBERT, Paul. A simplicidade do princípio. São Paulo: Edições Loyola, 2004.