Data: 2024-10-09 08:33
Nas palestras sobre o Sofista no curso do semestre de inverno de 1924/25, Heidegger tenta traçar a gênese da forma suprema de conhecimento “científico” ou episteme, a saber, a sophia amada pelos filósofos, uma gênese retratada nos dois primeiros capítulos do Livro I da Metafísica.1) Ali, Aristóteles apresenta sua investigação como partindo das opiniões e julgamentos geralmente aceitos sobre o conhecimento e seus diferentes níveis. Como Heidegger observa, esse relato apresenta a autointerpretação de uma compreensão implícita no Dasein “natural” ou “cotidiano” dos gregos.2). Sophia, enfatiza Heidegger, testemunha uma orientação específica do Dasein: o fato de o Dasein ser orientado unicamente para as coisas que estão sendo descobertas e tornadas visíveis, para sua visibilidade (GA19,69). Essa orientação intrínseca do Dasein para a visibilidade culmina em uma compreensão da mais alta possibilidade do conhecimento humano como pura contemplação, ou theorein. Dado que a filosofia nada mais é do que um amor (philein) pela sophia, isso implica que a “orientação restrita em direção ao conhecimento cognitivo”, uma vez que é remetida de volta a um “desejo de ver” subjacente, é a manifestação não apenas de uma tendência particular dentro da filosofia, mas do próprio desejo filosófico em sua totalidade, desde sua arche até seu telos.
No entanto, a breve discussão da primeira linha da Metafísica apresentada no curso Sofista não é exatamente a mesma que a discussão subsequente em Ser e Tempo. Não apenas a tradução de Heidegger é um pouco diferente, mas, o que é mais importante, o contexto imediato de sua interpretação é diferente:
Como a sophia é determinada como puro theorein, Aristóteles, na primeira linha da Metafísica, toma esse modo de existir [Dasein] como seu ponto de partida: pantes anthropoi ton eidenai oregontai phusei…. “Todos os seres humanos se esforçam intrinsecamente para ver.” À existência [Dasein] pertence o “ver”, apreender no sentido mais amplo; mais ainda: à existência pertence a orexis, uma busca de ver, de estar familiarizado com…. (GA19, 69-70)
Aqui, oregontai e orexis ainda não são traduzidos por “cuidado” [Sorge], como serão em Ser e tempo, mas por “esforço” e “busca”.3). Talvez já aponte para um horizonte de visão e conhecimento que não seja nem o da curiosidade, nem o da tradição filosófica descrita no curso Sofista.
PS: MCNEILL, William. The Glance of the Eye. Heidegger, Aristotle, and the Ends of Theory. New York: SUNY, 1999