Fink também considera que a fenomenalidade não pode ser tratada sem recorrer a um certo fundamento ontológico do fenômeno. No entanto, ele trilha uma via diversa da de Heidegger porque permanece fiel, em certa medida, à acepção husserliana do fenômeno. A fim de apreender sua contribuição para a compreensão do estatuto do fenômeno em geral, cumpre agora explicar o sentido da “construção” que Fink reivindica para uma fenomenologia radical, isto é, para uma fenomenologia da origem. Para isso, pode-se utilizar com proveito as análises heideggerianas da noção de “construção” em Fichte. Em seu Curso do semestre de verão de 1929, ao qual Fink assistiu pessoalmente, Heidegger havia efetivamente desenvolvido sua leitura e sua compreensão do que ele denominou uma “construção” e, naquele momento, esses ensinamentos exerceram influência considerável sobre a concepção finkiana do método fenomenológico. O que Heidegger desenvolve no § 6, b), desse Curso a propósito do “caráter fundamental da construção”?
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* Eugen Fink compartilha a visão de que a fenomenalidade exige um certo fundamento ontológico do fenômeno, mas adota uma via diferente de Heidegger, mantendo-se fiel à acepção husserliana do fenômeno.
Para entender a contribuição de Fink, é preciso compreender o sentido da “construção” que ele reivindica para uma fenomenologia radical, ou seja, uma fenomenologia da origem.
As análises de Heidegger sobre a noção de “construção” em Fichte (desenvolvidas no seu Curso do semestre de verão de 1929, ao qual Fink assistiu) exerceram uma influência considerável na conceção finkiana do método fenomenológico.
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#### A Noção de “Construção” Segundo Heidegger e Fink
##### O Caráter Fundamental da Construção (Heidegger)
* A construção é o procedimento metodológico que permite desocultar o que está no fundamento do saber.
Parte do saber como *Tat-sache* (coisa de fato) para revelar a sua *Tat-handlung* (ação de fato) mais originária.
O que está no fundamento do saber é o que o torna possível.
A construção não é uma produção, mas apenas descobre o que já está sempre implicado pelo saber (aquilo que jamais não pensamos, cf. as duas *Introduções à Doutrina da Ciência* de Fichte).
Portanto, não é uma invenção fictícia ou imaginária, mas um “projeto” (*Pro-jekt*).
Este “projeto” tem a dimensão de um projeto prévio (*Vorentwurf* — um “proto-projeto”) e exige que se entre nele por um salto.
##### Inteligibilidade Filosófica e Genese (Fink)
* Fink determina a noção de “gênese” ou “construção” a partir da descrição da inteligibilidade própria à filosofia.
A inteligibilidade da filosofia deve ser distinguida da inteligibilidade “ingênua” da ciência.
O objeto da filosofia é o “não compreendido” enquanto potencialidade do “compreendido” (o que não está ainda dado ou é de difícil acesso), ao contrário da definição clássica da verdade como adequação à coisa que se dá em si mesma (inteligibilidade científica).
A inteligibilidade filosófica é apenas compreensão do “compreendido” (no sentido de Heidegger, que identifica o *Ver-stehen* — com-preender — e o *ek-sister* — ex-sistir).
Isso implica que os problemas filosóficos não estão “desde logo lá,” mas devem ser “construídos.”
Os problemas filosóficos só engendram o que está em questão no seu projeto (*pro-jet*).
Não se contentam com os entes presentes, mas questionam além do que constitui a resposta à questão.
Nesse sentido, a explicação intencional é uma “explicitação do sentido” (*Sinnauslegung*) que desperta latências ou potencialidades, e não uma apreensão do que está presente.
* Na *VIª Meditação Cartesiana*, Fink aborda a construção através das dimensões da subjetividade que não se dão imediatamente mas que só podem ser determinadas de maneira construtiva (problema da extensão temporal da subjetividade transcendental).
Essa limitação ao problema da “o nascimento” e da “a morte” da subjetividade transcendental não esgota o conceito de “construção.”
A construção não se trata apenas de construir o que não pode ser dado (por estar além do domínio fenomenologicamente atestável), mas também (e talvez sobretudo) de dar conta da constituição última das objetividades na esfera imanente, ou seja: da fenomenalidade dos fenômenos.
No *Manuscrito Z-IV*, Fink relaciona a noção de “construção” com o sentido de ser do objeto construído.
A construção não significa o arbítrio de pensamentos vagos, mas está tão ligada à atestação que nesta reside o seu único direito e a possibilidade de rigor.
Fink afirma: “Toda revelação de sentido é sempre construtiva; exige uma força da interpretação e da transgressão interna. Toda interpretação é um ‘se-lançar-mais-alto’. Por conseguinte, todo filosofar é ultrapassagem do mundo.”
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#### A Construção Implícita em Husserl e a Consciência do Tempo
* Nas elaborações tardias de Husserl e nas do jovem Fink, encontra-se uma noção de “construção” do saber aparentada à “construção” fichtiana — mas unicamente no plano do que Fichte chama o “fenômeno” (*Erscheinung*).
Essas elaborações dizem respeito ao fenômeno (no sentido da fenomenologia husserliana) que não é um puro aparecente, mas que exprime as operações funcionais da subjetividade transcendental (do Eu absoluto).
Essas operações não são “atos,” mas se efetuam segundo leis de construção (leis da pré-compreensão, da horizontalidade, da potencialidade, etc.) que uma reflexão sobre o estatuto dos fenômenos constitutivos da esfera imanente deve identificar como tal.
Essas descrições estão desenvolvidas nos célebres “Manuscritos de Bernau” (1917/1918), que trazem uma nova luz sobre a estrutura da intencionalidade e tratam da constituição do tempo e da individuação.
* A noção de “construção” está implicitamente em ação em Husserl desde os anos 1909-1911, quando ele se interroga sobre os “fenômenos ultimamente constitutivos” da consciência do tempo e o estatuto da “subjetividade absoluta.”
* Uma fenomenologia radical do tempo não pode permanecer no nível imanente dos atos e das componentes de atos, pois deve dar conta da constituição e da temporalidade dos objetos imanentes e dos atos constitutivos.
A descida a uma esfera pré-imanente — na qual intervém a “construção fenomenológica” — responde a uma exigência fenomenológica.
Essa descida testemunha a co-originaridade do aparecer e da aparição do processo no fundamento de toda eclosão do tempo, atestada em vividos que não têm o mesmo estatuto que os vividos imanentes (o mesmo se aplica à constituição da intersubjetividade).
* Essa descida fenomenológica dá lugar à “descrição” do processo originário, que na realidade reveste uma construção no sentido estabelecido a partir de Fink e Fichte.
* O vínculo constitutivo em Husserl está entre a fenomenalidade e uma “construção” fenomenológica que reivindica a descida aquém da esfera imanente das objetividades constituídas.
PS: SCHNELL, Alexander. La genèse de l’apparaître: études phénoménologiques sur le statut de l’intentionnalité. Beauvais: Association pour la promotion de la phénoménologie, 2004.