Data: 2025-06-12 07:40
FDHP
No primeiro percurso, Heidegger começa por colocar ênfase em outra ambiguidade do sentido da palavra deinon, que, explica, designa por um lado o Furchtbare, aquilo que provoca o temor (Furcht) e que, enquanto poder subjugador 1), é origem tanto do terror pânico quanto do temor oculto, e por outro lado o Gewalt-tätige, o fazer-violência, aquilo cujo uso do poder (Gewalt) constitui não apenas o traço fundamental de sua ação, mas também de seu ser-aí. O homem é assim duplamente deinon, não apenas porque pertence ao domínio do ente, que é em si mesmo o poder subjugador, mas também porque, ao trazer à abertura o poder do ente, ele mesmo faz uso de poder contra aquilo que assim o subjuga. Compreende-se então que possa ser dito to deinotaton, “o que há de mais violento”.
Resta porém explicar por que deinon é aqui traduzido, com o risco de enfraquecer seu sentido primeiro, por “unheimlich”. Heidegger insiste ao contrário no que há de “decisivo” nessa tradução, o Unheimlich devendo ser compreendido, no sentido literal, como aquilo que lança o homem para fora do que lhe é familiar (heimisch), o que lhe impede de “permanecer em seu elemento” 2). Pois o que o empurra para fora dos limites do que lhe é familiar e habitual é justamente o poder subjugador do ente contra o qual ele mesmo faz uso de poder. Em Ser e tempo, Heidegger já destacava que a verdade “deve sempre antes de tudo ser arrancada pela luta (abgerungen) ao ente” e que este último deve ser ele mesmo “arrancado à ocultação”, de modo que a descoberta do ente “é sempre um roubo”, como bem indica o termo privativo de a-lètheia usado pelos gregos para expressar a verdade (SZ §44). E em Que é metafísica?, explicava que na angústia “se sente uma inquietante estranheza (ist es einem unheimlich)” e que fazemos assim a experiência de um “recuo do ente em seu conjunto”, de modo que nesse “desvio do ente”, “não resta nada como apoio”. Essa experiência de um “desenraizamento” é de fato a revelação da “perfeita estranheza (Befremdlichkeit) até então oculta” do ente que se revela a nós como “o radicalmente outro”, estranheza que, quando nos assalta, suscita o espanto e está assim na própria origem da questão fundamental da metafísica “por que há algo e não antes nada” da qual parte o curso de 1935. Dizer portanto do homem que ele é o que há de mais “unheimlich” é dizer ao mesmo tempo que ele é o que há de mais “inquietante”, unheimlich tendo o sentido corrente em alemão daquilo que inspira angústia, mas também que ele é o que há de mais desprovido de “lar”, de lugar próprio e de familiaridade com o que o cerca. Ora, é precisamente nisso que Heidegger vê “a verdadeira definição grega do homem” (160; 165).
É em outra fala do coro, a expressão pantoporos aporos (verso 360) que ele descobre uma interpretação dessa definição do homem. Não é de fato apenas porque abre em todos os sentidos e por toda parte (pantè) um caminho (poros) no interior do Unheimlichkeit, da estranheza do ente, que ele é ele mesmo o que há de mais “unheimlich”, de mais estranhamente inquietante, mas sim porque, ao fazê-lo, não encontra saída alguma, chega à aporia, e, vendo-se assim privado de toda relação com a quietude familiar, dá ensejo à atè (verso 185), a essa ruína e infortúnio que é o próprio cerne da tragédia. Uma terceira fala marcante, hupsipolis apolis (verso 370), que une do mesmo modo contrários, remete a esse lugar histórico 3) e não apenas político no sentido estrito do termo que é a polis, onde advém a violência criadora dos homens, que estão ao mesmo tempo no mais alto do sítio histórico (hupsipolis) e todavia sem base histórica, apolis, ou seja, sem lar, unheimlich, precisamente porque lhes cabe antes de tudo fundá-lo.