====== Ipseidade (Monticelli) ====== //Data: 2025-03-18 06:24// (Monticelli1997:208) O outro traço fundamental da noção de //autos// é aquele que se opõe ao caráter do //hetero//, manifestando-se na oposição entre autonomia e heteronomia. As vivências que constituem este outro aspecto do ser-sujeito — que "preenchem" este significado fundamental do termo — são as ações através das quais nos experimentamos como causa dos efeitos produzidos, ou seja, como agentes. O conteúdo determinado da //selfhood// [autoconsciência] manifestada no agir é a espontaneidade. Ipseidade e espontaneidade — eis, portanto, os traços essenciais do ser-si-mesmo enquanto viver, sentir e agir. Importa notar que tanto a ipseidade quanto a espontaneidade já estão presentes no sentir e no agir não-reflexivos, pois são precisamente constitutivos dessas experiências. Confesso meu limitado conhecimento sobre a vida animal. Mas no ser humano, as vivências afetivas e ativas possuem por essência a capacidade de se tornarem reflexivas, isto é, de serem explicitamente apreendidas como próprias. Esta é precisamente a diferença entre, por exemplo, simplesmente sofrer e saber que sou eu quem sofre, entre consciência irrefletida e consciência de si. Utilizo deliberadamente o verbo "saber" para destacar a diferença crucial entre: * O modo não-temático de autoapresentação (como ocorre no simples ato de sofrer) * E este modo temático que, somente ele, estabelece uma distinção clara entre o sujeito que sofre e o objeto do sofrimento Trata-se da diferença fundamental entre //ser// e //ter//: * No sofrimento irrefletido, //sou// pura e simplesmente esse sofrer, identifico-me completamente com ele * Somente quando objetivamos essa dor, colocando-a diante de nós mesmos, é que podemos distingui-la daquilo que somos, transformando-a em algo que //temos// ("tenho dor de cabeça", "tenho uma dor no peito") Onde existe esta possibilidade essencial de objetivação ou reflexão, aí encontramos a estrutura egológica da existência. Defino, portanto, //ego// como todo sujeito que se dá a si mesmo de maneira essencial, explícita e temática. Como o próprio termo "objetivação" sugere, esta possibilidade está intrinsecamente ligada à capacidade de representação pura das coisas como objetos — incluindo o próprio corpo e a própria psique — capacidade essa que tradicionalmente denominamos "espírito". A título de observação: denominamos "pessoa" todos os sujeitos — e somente eles — cuja vida afetiva e ativa possui esta estrutura egológica. Isto implica, entre outras coisas, que: * Apenas uma pessoa pode contemplar o mundo de maneira plenamente objetiva ou impessoal * Contudo, esta capacidade por si só não é suficiente para constituir uma pessoa