====== Barbaras (2012) – Do ser do fenômeno ====== //Data: 2025-10-31 05:43// ==== De l’être du phénomène ==== === Sur l’ontologie de Merleau-Ponty === * O destino ambíguo da filosofia de Merleau-Ponty, que, apesar de sua presença canônica no legado contemporâneo e de sua frequente citação, permanece uma ausência, pois muitos a ignoram enquanto leitura, reduzindo-a a uma mera intuição ou estilo a ser apropriado. * A primeira razão para essa negligência reside na mediação hegemônica da filosofia alemã de Husserl e Heidegger, através da qual seu pensamento é predominantemente abordado, ainda que tal mediação seja justificada pelo seu diálogo ininterrupto com Husserl e pelo encontro, em *O Visível e o Invisível*, com o pensamento de Heidegger. * A singularidade do caminho traçado por Merleau-Ponty, que integra e supera simultaneamente a filosofia da constituição e a filosofia do *Dasein*, mas que, em virtude do predomínio do paradigma alemão, não encontrou o seu lugar próprio. * O afastamento de Merleau-Ponty do panorama filosófico deve-se à rigorosa definição de sua proximidade e distância em relação a Husserl, uma postura que exclui tomadas de partido ruidosas e que, paradoxalmente, garantia o nascimento de uma fenomenologia autêntica. * A concepção merleau-pontyana de "retomada" do caminho husserliano, que não significa repetição, mas uma conquista da diferença filosófica própria através de uma submissão rigorosa ao movimento do pensamento do outro. * A segunda razão para a má compreensão da obra de Merleau-Ponty, agravada até os anos 70, foi a sua assimilação reducionista à corrente existencialista francesa dominada por Sartre. * A ambiguidade inicial da relação com Sartre, atestada pela profunda comunidade de inspiração na *Fenomenologia da Percepção*, que, no entanto, já recobria uma distância intransponível. * O esclarecimento incomparável, em *O Visível e o Invisível*, da cisão entre a sua filosofia, autenticamente fenomenológica e dedicada à descrição da nossa abertura ao Ser, e a filosofia sartriana, que substitui a presença ao mundo pela identidade abstrata do Ser e do Nada. * As consequências negativas dessa assimilação existencialista, que atenuaram as suas pesquisas, reduzindo-as aos temas confusos da existência e do engajamento, ou que o tornaram ilegível para quem buscava apenas um eco dos slogans sartrianos. * O paradoxo da sua recepção: considerado demasiado exigente para ser lido como existencialista, não foi considerado suficientemente inovador para ser um interlocutor da fenomenologia alemã. * O papel crucial dos pesquisadores italianos como os melhores comentadores de Merleau-Ponty nas décadas de 60 e 70, cuja distância do contexto intelectual francês lhes permitiu estudá-lo por si mesmo. * A terceira razão para o apagamento relativo de Merleau-Ponty refere-se à história interna do seu pensamento, caracterizada pela ausência de um texto que apresente um estado final e acabado da sua filosofia. * A natureza inacabada e interrogativa da sua obra como sendo conforme à essência de uma démarche fenomenológica, que vale pela sua potência de interrogação e pelo retorno incessante à experiência bruta. * O caráter inovador e frequentemente criticado da sua escrita, qualificada de "metafórica", mas que, na verdade, responde a uma exigência filosófica profunda. * A questão fundamental levantada por Merleau-Ponty em *O Visível e o Invisível*: "é uma questão de saber se a filosofia como reconquista do ser bruto ou selvagem pode se cumprir com os meios da linguagem eloquente, ou se não lhe seria preciso fazer dela um uso que lhe tire sua potência de significação imediata ou direta para igualá-la ao que ela quer todavia dizer". * O projeto de uma redução da linguagem, destinada a desenvolver uma língua que neutralize as sedimentações conceptuais e revele a sua pertença a um "logos selvagem". * A tensão constitutiva na sua escrita entre a necessidade de uma palavra que testemunhe a sua inscrição originária no mundo e a submissão ao imperativo da clareza natural e da exigência pedagógica. * O caráter de obra em construção da filosofia de Merleau-Ponty, cujo desvelamento do campo perceptivo na *Fenomenologia da Percepção* permanecia tributário de categorias da filosofia reflexiva que ele próprio denunciava. * O reconhecimento pelo autor do caráter preliminar da *Fenomenologia da Percepção*, cuja significação filosófica plena não estava claramente estabelecida. * O trabalho de refundação e reapreciação filosófica dos achados da *Fenomenologia da Percepção* nos textos de 1945 a 1959, que culminou na necessidade de uma explicitação ontológica. * O projeto de *O Visível e o Invisível* como o local de acabamento e exposição madura da sua filosofia, a partir do qual os trabalhos anteriores adquirem coerência e consistência. * A unidade profunda do pensamento de Merleau-Ponty, que supera a alternativa entre continuidade e ruptura, pois *O Visível e o Invisível* recolhe o que foi pensado anteriormente, mas a sua unidade realiza-se no seio de um devir, conquistada contra a rigidez dos conceitos herdados. * O problema específico do inacabamento de *O Visível e o Invisível*, que privou os leitores de um texto de reconciliação final. * A consequência do inacabamento e da natureza interrogativa da sua filosofia: Merleau-Ponty sobrevive como uma "herança sem testamento", uma presença-ausência que funda e fecunda reflexões contemporâneas sem que os seus contornos próprios sejam claramente delineados. * A caracterização de Paul Ricœur do nosso vínculo com Merleau-Ponty como uma retomada do movimento mesmo da sua reflexão, e não uma repetição. * O estado da literatura secundária, dividida entre comentários antigos centrados na *Fenomenologia da Percepção* e autores contemporâneos que, sem serem comentadores, se nutrem implicitamente da sua última filosofia para iluminar a sua ontologia. * O propósito do autor deste estudo: restituir o elo faltante da ontologia de Merleau-Ponty, considerada a chave de toda a sua obra e de muitas reflexões contemporâneas. * A opção metodológica de se centrar em *O Visível e o Invisível* e nos textos conexos, incluindo as notas de trabalho, para explicitar esta obra inacabada. * O espírito clássico no qual se aborda a obra de Merleau-Ponty, enraizado na tradição cartesiana mais do que na husserliana. * A reivindicação de Merleau-Ponty de uma continuidade com o espírito da metafísica clássica, que criou a ciência da natureza mas mostrou, ao mesmo tempo, que ela não era a medida do ser. * A tarefa filosófica de Merleau-Ponty: reconhecer o fato da Razão sem omitir o nosso enraizamento num mundo que não se presta de imediato ao conhecimento intelectual, conservando a consciência metafísica da transcendência sem renunciar às exigências da consciência e do conhecimento. * O fato metafísico fundamental, tal como formulado por Merleau-Ponty: "o duplo sentido do cogito: tenho certeza de que há ser, — sob condição de não buscar outra espécie de ser que não o ser-para-mim". * A abordagem do autor como a de um leitor de um autor clássico, privilegiando uma leitura scrupulosa do texto e do seu movimento conceptual, em oposição a uma "intuição" diferencial que dispensaria o trabalho de explicação. * A necessidade metodológica de compreender o ponto de chegada de *O Visível e o Invisível* a partir do movimento de pensamento que o tornou necessário e que ele vem cumprir. * A evolução do estatuto da interrogação filosófica: dos primeiros trabalhos, que tomam como garantida a possibilidade de uma filosofia da experiência imediata, a *O Visível e o Invisível*, que inaugura uma interrogação sobre a própria interrogação filosófica. * A "questão 'o que é a filosofia?'" como o pré-requisito para uma exploração consequente do Ser. * A mutação metodológica fundamental: o mundo não é mais abordado de maneira imediata ou através da mediação da psicologia da forma, mas é apreendido a partir do facto da interrogação e do discurso. * O movimento regressivo que, da *Fenomenologia da Percepção*, conduz ao mundo da interrogação e à essência selvagem, motivado pela consideração do problema da palavra e da idealidade. * A estrutura da ontologia em *O Visível e o Invisível*, que deve acompanhar um movimento descendente (da expressão ao Ser e do ser-no-mundo à carne) com um movimento ascendente (do sentir "solipsista" à idealidade mesma). * A articulação fundamental que a ontologia de Merleau-Ponty busca restituir: uma articulação originária do sensível e do sentido. ---- //PS: BARBARAS, Renaud. De l’être du phénomène. Grenoble: Jérôme Millon, 1991//